Uma mulher negra foi presa no Rio de Janeiro por três agentes da 33ª Delegacia de Polícia do Realengo, no dia 15 de março. Eles chegaram à casa de Claudete de Oliveira às 17 horas, com um mandado de prisão que tinha seu nome e o nome de sua mãe. O crime: um homicídio no litoral de São Paulo, na cidade de Itanhaém, em 1998.
Claudete de Oliveira, mulher negra de 66 anos, empregada doméstica, moradora do bairro do Realengo, na zona Oeste do município, teve sua rotina interrompida por nove dias, o tempo que ficou privada de liberdade passando por três lugares diferentes até ser executado o alvará de soltura.
Charles de Oliveira, filho de Claudete, diz que os advogados de defesa encontraram diversas dificuldades para a resolução do caso. “Com muito sacrifício, os doutores Daniel e Tatiana conseguiram, somente no plantão judiciário, o cumprimento do alvará”, ressalta.
Entre 15 e 24 de março, Claudete passou um dia na 33ª Delegacia de Polícia de Realengo, sete na Cadeia Pública José Frederico Marques, de Benfica, e mais um no Complexo Penitenciário de Gericinó, antigo Complexo Penitenciário de Bangu.
O juiz Rafael Vieira Patara assumiu o erro e diz que confundiu a pessoa no momento do envio do mandato de prisão.
De acordo com Paulo Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, o que aconteceu com Claudete não é incomum no sistema prisional brasileiro. “Em um sistema de justiça marcado pelo racismo, pela seletividade nas decisões e pela produção em massa de prisões, os ‘erros judiciais’ tornam-se a regra. Além disso, a experiência prisional no país, ainda que por alguns dias, pode deixar a pessoa física e psiquicamente marcada pelo resto de sua vida, tamanha a violência e indignidade das nossas masmorras.”
Carolina Diniz, advogada e supervisora de atuação política do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), conversou com o Alma Preta sobre o caso. Para ela, episódios como esse evidenciam o modo como o judiciário vê a pessoa negra.
“Esses erros exemplificam o racismo enraizado e institucionalizado no sistema de justiça, em que corpos negros são apenas corpos a serem controlados pelo Estado. A identidade não importa.” Ao ser questionado se iria pedir indenização do Estado para Claudete, o advogado Daniel Santana informou que a equipe está “analisando as medidas cabíveis para buscar a compensação pelo dano experimentado “.
A 3ª Vara do Tribunal de Justiça do município de Itanhaém-SP expediu mandato de prisão em 22 de fevereiro de 2018, com o nome de Claudete e de sua mãe. A ordem judicial foi cumprida no Rio de Janeiro no dia 15, às 17h. As contestações dela e de um dos três filhos, presentes na hora do ocorrido, não foram ouvidas pelos policiais e ela foi encaminhada para a delegacia mesmo assim.
O crime pelo qual Claudete de Oliveira foi presa injustamente ocorreu em 20 de outubro de 1998, na cidade de Itanhaém. Nessa data, segundo seus filhos, ela estava no bairro que mora hoje, mas em outra casa, tratando um problema de coluna e de depressão. “Mal podia se levantar da cama. Nós, os filhos, que ajudávamos nos afazeres”, disse Charles.
Claudete foi acusada de homicídio simples, crime descrito na legislação brasileira como o ato de matar alguém sem qualificadores, ou seja, sem pensar na execução, sem planejamento, sem recompensas, por motivo torpe ou fútil. A pena é de seis a doze anos de prisão. O crime está tipificado no artigo 121 do Código Penal brasileiro.
Os filhos conseguiram os advogados Daniel Santana e Tatyana Miranda por indicação da vizinha e foram atrás da soltura da mãe. Segundo Daniel, o mandato foi cumprido equivocadamente em desfavor de Claudete de Oliveira, que tem dados de identidade diferentes, mas o mesmo nome da acusada na ação penal que corre em São Paulo.
“Na segunda-feira (18) o juiz reconheceu o equívoco e expediu alvará de soltura, sendo que só foi efetivamente cumprido no sábado (24). A demora se deu em virtude da burocracia, porque eu tinha um alvará de soltura expedido na segunda-feira que não foi cumprido em tempo razoável por falha na comunicação e no endereçamento desse alvará de soltura.”, explicou Daniel Santana.
Em nota, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) diz que “em razão de, na mesma data [da prisão], surgirem dúvidas quanto à identidade da pessoa presa, diligências foram realizadas na tentativa de elucidação. Como não houve confirmação da identidade, na segunda-feira (19), por cautela e para que não houvesse possibilidade de injustiça, o Judiciário de Itanhaém determinou, de ofício, isto é, sem que fosse provocado pelas partes, a expedição do alvará de soltura. O documento foi encaminhado ao Rio de Janeiro.”
Ainda segundo a nota, o alvará foi enviado por e-mail, mas, aparentemente o presídio em que Claudete estava não recebeu a mensagem; também informa que as tentativas de contato por telefone com a unidade prisional foram frustradas, assim como por fax.
Uma carta precatória, documento com pedido de um juiz a outro de comarca diferente, exigindo a soltura imediata de Claudete também foi enviada no dia 20 de março. No dia 21, seis dias depois, em uma quarta-feira, um funcionário da 1ª Vara Criminal Central do Rio de Janeiro contatou o fórum de Itanhaém para confirmar a veracidade do documento. A resposta foi positiva. Mesmo assim, Claudete continuou detida.
Já a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) informa, sem citar datas, que o “TJ do Rio expediu o mandado de soltura a pedido do defensor da Claudete de Oliveira. Em atenção ao pedido do defensor, o Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Rio determinou a soltura imediata da Claudete de Oliveira, que estava presa em uma delegacia”.
No informe, o juiz de plantão diz: “Inadmissível que uma senhora de 66 anos esteja privada de sua liberdade indevidamente por questões burocráticas, apesar do alvará de soltura ter sido expedido em 19/03/2018 e encaminhado para cumprimento por duas vezes. Desta forma, expeça-se com urgência mandado de cumprimento para reapresentação do alvará de soltura de Claudete de Oliveira. (…) Cumpra-se imediatamente!”.
Segundo Daniel, a soltura não seria cumprida no final de semana e demoraria mais três ou quatro dias. Por isso, os advogados entraram com pedido no plantão judiciário para que o alvará pudesse ser cumprido pelo oficial de justiça.“Foi quando a gente conseguiu, com muito sacrifício, a efetiva soltura de Claudete, no sábado (24)”, explica.
A equipe de reportagem perguntou sobre a prisão da verdadeira autora do crime. O TJSP informou que ainda não consta a informação de prisão no andamento processual.
O Alma Preta fez uma série de questionamentos ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e à Assessoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a verificação, os erros na hora do cumprimento da ordem de prisão e a reparação dos danos, mas não obteve resposta em relação a isso, pelo contrário.
O TJRJ respondeu que deveríamos “encaminhar os pedidos de respostas para a Polícia do Rio, que foi responsável pela prisão”; o TJSP afirmou que “o erro não foi aqui. Não somos nós que temos responder”; já a assessoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro respondeu apenas um dos dois e-mails enviados pela equipe: “favor entrar em contato com a assessoria do Tribunal de Justiça para informações sobre o caso”.
Fonte: YAHOO Noticias