Entre os anos de 2013 e 2015, ocupei o honroso posto de Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Parece fora de dúvida a inestimável importância da OAB na construção do Estado Democrático de Direito e de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o da Constituição).
O art. 44 do Estatuto da Advocacia e da OAB define expressamente as competências da instituição nos seguintes termos: “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil”.
Em consonância com o referido comando estatutário, a atividade da entidade máxima dos advogados brasileiros foi marcada por decisivas lutas pela democracia, direitos humanos e justiça social. São inúmeros os exemplos de atuação da Ordem na defesa de mais transparência na Administração Pública, no combate à corrupção e malversações do patrimônio público, pugnando por moralidade eleitoral, propondo reformas políticas de caráter popular, atuando contra o abuso do poder econômico, entre tantos outros esforços realizadores da cidadania e da dignidade da pessoa humana, como valores fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Inúmeras vezes, no plenário do Conselho Federal da OAB, afirmei que a instituição deveria dar o exemplo em relação a uma série de aspectos de seu funcionamento interno. Em outras palavras, a OAB não poderia exigir esse ou aquele comportamento de autoridades ou entes da sociedade civil e não seguir internamente essas exigências.
As eleições para os conselhos da OAB, a serem realizadas nos últimos meses deste ano de 2024, aparentemente seguirão os mesmos padrões das anteriores. O ponto mais relevante, definidor das características principais das campanhas, é a inexistência de um limite de utilização de recursos pecuniários.
A necessidade de fixação do limite de gastos financeiros nas eleições da OAB está expressamente prevista no art. 131-A do Regulamento Geral. Entretanto, até onde se sabe, o Conselho Federal da Ordem não se propõe a definir esse teto. Na minha passagem pelo Conselho, referida anteriormente, apresentei uma proposta concreta de teto de despesas eleitorais no âmbito da OAB. A proposição foi solenemente ignorada.
A proposta mencionada tinha o seguinte teor, alterando o art. 133 do Regulamento Geral: “Perderá o registro a chapa que praticar ato de uso indevido de poder econômico, político e dos meios de comunicação, ou for diretamente beneficiada, ato esse que se configura por: (…) XII – realizar despesas, na campanha eleitoral, de valor superior a multiplicação de um por cento da anuidade praticada pelo Conselho Seccional pelo número de inscritos”.
Existe uma razão muito clara para a não definição desse limite. Na falta dele, as chapas concorrentes realizam gastos milionários de campanha. Milhões de reais são usados em toda sorte de despesas. Elas passam pela locação de vistosos comitês, contratação de cabos eleitorais, impressos diversos, equipes de mídia, almoços, jantares e cafés (regados a requintados espumantes e similares).
Assim, a cada três anos, a sociedade brasileira testemunha a realização de campanhas eleitorais ruidosas e pirotécnicas, com honrosas exceções. Esses espetáculos não combinam com a realidade da imensa maioria dos advogados e com uma OAB que exige moderação e cautela nos negócios públicos, a começar pelas campanhas eleitorais para os diversos cargos eletivos nos Poderes Executivo e Legislativo. Alguém já disse, com boa dose de razão, que existe uma inaceitável deturpação da ideia de “Estado Democrático de Direito”, durante as eleições da OAB, para algo como o “Estado Festivo de Direito”.
Essa lamentável situação gera uma inusitada “compra” de vagas nas chapas concorrentes. São estabelecidas cotas em função do volume de gastos das campanhas. Assim, a OAB foi paulatinamente se transformando em um verdadeiro clube de grandes bancas da advocacia e causídicos mais bem-sucedidos financeiramente. Em regra, pagar uma cota se transformou em requisito para participar, como candidato, do processo eleitoral.
Para os advogados não agraciados pelo sucesso financeiro cabem espaços secundários nas chapas concorrentes e a ocupação de posições nas numerosas comissões temáticas, a partir de nebulosas tratativas junto aos presidentes dos conselhos. Aliás, esse é um capítulo específico das mazelas da OAB. Vivencia-se um “presidencialismo quase imperial”, profundamente semelhante às cortes reais onde praticamente tudo gira em torno da figura do presidente.
Não custa lembrar que foi justamente a OAB que investiu judicialmente contra o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas. Na ADIn n. 4.650, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu, ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei eleitoral, doações empresariais nas disputas eleitorais. Essa decisão do STF marcou um importante avanço no combate ao abuso do poder econômico nos certames para ocupação de cargos públicos.
Portanto, a OAB não pode operar na base do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. A importância da OAB para a sociedade brasileira não comporta esse tipo de atuação institucional distanciada dos mais elementares padrões éticos.
A proposta de fixação de limites de gastos para as eleições da OAB no final do ano de 2024 será reapresentada. Talvez o atual Conselho Federal cumpra suas obrigações, conforme o Regulamento Geral, e estabeleça o aludido teto de despesas nas campanhas eleitorais. É pouco provável que isso ocorra, mas não é impossível. Não custa tentar.
Felizmente, existem opções políticas e eleitorais voltadas para transformar, em uma perspectiva democrática profunda, o funcionamento interno da OAB. Inúmeros movimentos, em praticamente todas as unidades da Federação, buscam direcionar a atuação da OAB para a imensa maioria dos advogados e torná-la um exemplo de práticas republicanas mesmo no seu ambiente doméstico. Percebe-se que a crescente consciência da advocacia provocará, a curto e médio prazos, profundas mudanças nas formas de ser e agir de uma das mais importantes entidades da sociedade civil brasileira.
*Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional.