Quilombolas cada vez unidos em busca da garantia de direitos
Artistas e quilombolas precisam se unir
*Rafael Silva
Há uma lógica de retrocesso histórico que atinge igual e brutalmente as demandas da classe artística indignada com a extinção do Ministério da Cultura (MinC) pelo Governo Temer e a luta pela regularização dos territórios quilombolas por todo o país.
Em ambos os casos, o Governo Federal – sem qualquer debate com a sociedade civil – centralizou e enfraqueceu tais políticas arrastando-as para o MEC. Para a política cultural têm efeitos devastadores que vão além de dificuldades na aplicação da Lei Rounet, na (importante) captação de recursos para eventos culturais.
A emancipação humana exige transformações culturais que se colocam para além da busca pelo lucro e exigem o direito à efetividade da livre criação e possibilidades de atuação mesmo daqueles que não têm a seu favor o poder das grandes corporações midiáticas.
Para isso é necessária uma política cultural de Estado, guiada por princípios democráticos, como os que preconizam a luta pela isonomia. Um regime democrático não se efetiva apenas com a existência de leis, mas se constitui quando há uma cultura democrática e includente pautando nossas formas de convivência social.
Portanto, a importância da cultura exige que nos movimentemos contra a lógica imposta pelo mercado, que compreende as manifestações artísticas e culturais apenas como forma de ganho financeiro, o que só agrava o quadro de desigualdade e limita a expressão pública da nossa diversidade.
Na contramão disso, a extinção do Ministério da Cultura (MinC) significa politicamente o enfraquecimento do papel do Estado na garantia de oportunidades igualitárias de manifestação cultural, o que afetará gravemente os que não serão absorvidos pela lógica excludente do mercado.
Por sua vez, a luta pela regularização quilombola também sofreu um duro golpe logo no início do Governo Temer. A Medida Provisória n. 726, de 12 de maio de 2016, além de extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em seu art. 27, inciso IV, alínea “J”, retirou do INCRA a atribuição sobre os processos de identificação e delimitação de territórios quilombolas, transferindo-a para o MEC.
O que fica claro nessa mudança (retrocesso social) é que o Governo Federal parece pretender que a regularização de territórios quilombolas seja tratada exclusivamente como assunto relacionado à proteção do patrimônio histórico nacional. Pode parecer algo positivo, mas é terrível.
Simplesmente porque a partir dessa redefinição inviabiliza-se a regularização da quase totalidade das cerca de 2.000 comunidades quilombolas no Brasil. São mais de 1.000 (mil) apenas no Maranhão. Por esse viés, seriam reconhecidas pelo Estado brasileiro apenas aquelas comunidades quilombolas que em 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal vigente) mantivessem suas características intactas desde pelo menos o século XIX. Isso é uma forma de extermínio, pois representa a despolitização e a inviabilização de fato da luta dos quilombolas, que sofrem historicamente na pele todas as formas de violência contrárias à sua existência, por parte do latifúndio, por parte do agronegócio.
Portanto, o MEC seria uma espécie de manto a invisibilizar e inviabilizar, de uma só vez, duas questões estruturantes para a nossa identidade social (diversificada, plural, emancipatória) no Brasil: a) um ataque à preservação e ao fortalecimento da expressão da nossa diversidade cultural; e b) o término do processo de reconhecimento de uma dívida histórica pelo Estado brasileiro em relação à segregação e extermínio dos povos negros que lutaram e lutam pela sobrevivência de suas formas de ser e viver (bem representada pela pauta quilombola). É por isso que a luta da classe artística e dos movimentos quilombolas precisa ser articulada.
Não se trata apenas de um legítimo apoio recíproco, mas da construção de pautas políticas comuns de resistência, que convergem nesse momento de ampliação dos cenários de destituição no Brasil. Talvez Temer tenha nos dado a oportunidade de nos reconhecermos como iguais: quilombolas e artistas lutando pela preservação da pluralidade brasileira e pela construção de uma cultura democrática, inclusiva. É hora de nos darmos as mãos.
Rafael Silva é advogado popular. Advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA). Assessor jurídico do movimento “Ocupa MinC MA”. São Luís-MA, 19 de Maio de 2016.”