Durante julgamento, União alegou que execução depende de estados.
PSOL pede que juízes adotem outras medidas para combater superlotação.
Renan Ramalho Do G1
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (27) para proibir o governo federal de contigenciar verbas autorizadas no Orçamento para o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), destinado a construir e reformar presídios no país.
O voto foi proferido no julgamento de uma ação, proposta pelo PSOL, que visa a diminuir o encarceramento no país a partir de uma série de medidas, algumas também aceitas pelo ministro. Marco Aurélio Mello é o relator do caso. A decisão final, porém, depende do voto dos outros 10 ministros da Corte, que começarão a analisar quando o caso voltar à pauta do plenário do Supremo, o que está previsto para a próxima quinta (3).
Em seu voto, Marco Aurélio propôs que não apenas a União seja proibida de realizar novos bloqueios, mas também que libere o saldo acumulado do Funpen.
A ação do PSOL diz que, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o saldo do Funpen em maio era de R$ 2,2 bilhões. “Um dos entraves para o uso destes recursos é o contingenciamento orçamentário realizado pelo governo federal, visando a atingir as metas fiscais”, diz a peça.
O documento também cita levantamento da ONG Contas Abertas que apontam que, dos R$ 6,4 bilhões autorizados para o Funpen entre 2001 e 2013, apenas R$ 2,9 bilhões (46%) foram efetivamente gastos.
AGU quer acordo entre poderes e entes da Federação
A medida foi questionada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que, durante sua sustentação, argumentou que o problema é mais complexo e não poderia ser resolvido numa única ação do STF, mas sim pelo entendimento entre todos os poderes e entes da Federação.
Dos 136 convênios firmados com mais de R$ 1,6 bilhão autorizados, previstos para a execução de 60 projetos foram interrompidos por desistência do estado, por incapacidade de execução, por falta de projeto e assim por diante”
Luís Inácio Adams,
Advogado-Geral da União
Ele citou números do afirmando que as verbas são, em sua maior parte, aplicadas pelo governo federal, mas não pelos estados que recebem repasses federais. “Dos 136 convênios firmados com mais de R$ 1,6 bilhão autorizados, previstos para execução, 60 foram interrompidos por desistência do estado, por incapacidade de execução, por falta de projeto e assim por diante”, disse no julgamento.
Além de ser favorável ao desbloqueio do Fundo Penintenciário Nacional, Marco Aurélio concordou com uma série de medidas pedidas pelo PSOL. Entre elas, a obrigação de que, quando determinar a prisão provisória de uma pessoa ainda não condenada, o juiz justifique por que não permitiu a adoção das chamadas medidas alternativas, como o uso de tornozeleiras eletrônicas ou a proibição de frequentar determinados lugares ou encontrar com certas pessoas.
“Às vezes o óbvio tem que ser determinado”, comentou o ministro durante o voto.
Outras medidas preveem que os tribunais do país implementem, em até 90 dias, as chamadas “audiências de custódia”, procedimento pelo qual pessoas presas em flagrante sejam levadas em até 24 horas a um juiz para determinar a necessidade ou não de permanecerem presas antes da condenação.
- Ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária, a precariedade das instalações de delegacias e presídios, mais do que inobservância pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamentos degradantes”
Marco Aurélio Mello,
Ministro do Supremo
Além disso, nas decisões, os juízes deverão considerar o atual quadro de superlotação das prisões brasileiras ao decretarem prisões provisórias. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos mais de 600 mil presos brasileiros, cerca de 41% estão nesta situação.
O voto de Marco Aurélio determina que os juízes adotem, “sempre quando possível” as medidas alternativas à prisão.
O único pedido do PSOL não aceito pelo ministro foi a possibilidade de que os juízes possam diminuir o tempo necessário para que um preso já condenado deixe o regime aberto ou o semiaberto, de modo a sair da prisão. Para ele, essas condições estão estabelecidas em lei e não poderiam ser alteradas pelo STF nesta ação.
‘Estado de coisas inconstitucional’
A ação do PSOL argumentou que os presídios brasileiros vivem num “estado de coisas inconstitucional” e caberia ao STF, como tribunal que tem por missão garantir o cumprimento da Constituição, tomar medidas que efetivem os direitos fundamentais dos presos, como a dignidade moral e a integridade física.
Ao defender a tese, o advogado do partido, Daniel Sarmento, citou outras decisões do próprio Supremo em que ministros descreviam a situação como “vergonha nacional” e “inferno dantesco”.
“Infelizmente não se trata de exagero, mas de retrato fidedigno de nossa realidade. Celas superlotadas, pessoas dormindo umas em cima das outras, proliferação de doenças infectocontagiosas, falta de acesso à educação, à saúde, à Justiça, alimentação inadequada. Violações que são ainda mais graves em relação a minorias que estão na prisão, mulheres, homossexuais, transexuais, pessoas com deficiência”, descreveu.
Durante seu voto, Marco Aurélio concordou com o quadro, afirmando que deve ser reconhecida uma “inequívoca falência do sistema prisional brasileiro”. “Ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância pelo Estado da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia do Estado”, afirmou.
Fonte – Conselho Nacional de Justiça