
Documento do Ministério da Justiça revela que país tem o terceiro maior índice de aprisionamento do mundo
Gláucio Dettmar/ Agência CNJ
Presídios inflados, prisão provisória em larga escala e condenações por crimes de baixa periculosidade. Essa é a realidade do encarceramento feminino no Brasil, segundo o Infopen Mulheres, divulgado em maio pelo Ministério da Justiça em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ainda que as outras edições do documento, que tem o nome completo de Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, tenham trazido informações sobre as mulheres presas no país, um recorte de gênero tão aprofundado sobre a questão era, até então, inédito.
De acordo com os dados, coletados entre dezembro de 2015 e junho de 2016, 43,3 mil mulheres estão atrás das grades no Brasil. Em números, trata-se da nação com a quarta maior população carcerária do mundo, atrás dos EUA, China e Rússia. Quando se analisa a taxa de aprisionamento, contudo, o país salta para a terceira posição: são 40,6 mulheres encarceradas para cada grupo de 100 mil.
Mais preocupante do que os números absolutos é a taxa de ocupação dos presídios femininos: 156,7%. Isso porque há um déficit de 15,3 mil lugares no sistema, já que a quantidade de vagas disponíveis é 27 mil. A maioria dessas mulheres (45%) ainda não foi condenada. São as chamadas “presas provisórias”. Em tese, elas teriam direito a medidas alternativas à prisão, como o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de ausentar-se da comarca, comparecimento periódico em juízo, dentre outras.
Em entrevista ao Justiça, o criminalista Jovacy Peter Filho disse que a situação é reflexo da cultura nacional, que é bastante encarceradora. A tendência é acreditar que quanto maior o número de presos, maior será a segurança. O superencarceramento, na verdade, apenas aumenta as tensões sociais. O pouco interesse do Estado em elucidar crimes também seria uma justificativa. “E aí, como é que você supre essa ausência [de uma investigação correta]? Com a antecipação da pena, com a antecipação da prisão. Com isso, cria-se uma imagem de que o sistema de segurança pública funciona, mas, na verdade, ele é disfuncional”, afirmou.
No Direito Penal, costuma-se dizer que a prisão deve ser a ultima ratio, o último recurso. O alto número de prisões provisórias no Brasil, entretanto, demonstra que por aqui essa não é a lógica utilizada. Marcello Fragano e Natália Pollachi apontam, em artigo, que mais do que superlotar as instituições penais, a prisão provisória iria contra os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. “(…) o uso abusivo da prisão provisória é medida extremamente deletéria. Além de desrespeitar garantias básicas do cidadão, a imposição da prisão em caráter provisório gera também altos custos sociais contribuindo para diluir laços familiares, profissionais e submetendo os presos a estigmas sociais”, escrevem.
Tráfico de drogas
Se no começo dos anos 2000 o número de mulheres atrás das grades era de 6 mil, hoje ele passa dos 43 mil. Um dos motivos para o crescimento exponencial é a Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que tornou muito tênue a linha entre grandes traficantes, pequenos traficantes e usuários. O tráfico corresponde a 62% dos crimes tentados ou consumados pelas presas brasileiras.
Segundo documento publicado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) em 2017, a maioria dessas mulheres “não possui vinculação com grandes redes de organizações criminosas, tampouco ocupa posições de gerência ou alto nível e costuma ocupar posições coadjuvantes nestes tipos de crime”.O defensor público da União Alessandro Tertuliano da Costa Pinto escreve que “mulheres estão sendo cooptadas pelos verdadeiros traficantes em busca de um lucro supostamente fácil”. Ao Justiça e sob condição de anonimato, uma juíza do interior de São Paulo contou que, na comarca onde atua, a maioria esmagadora das mulheres encarceradas com base na Lei de Drogas foi presa tentando entrar com entorpecentes nas penitenciárias, a mando dos maridos, companheiros ou aliciadas pelo tráfico. Na prisão, droga, em especial maconha e cocaína, é moeda de troca.
“É muito fácil para as autoridades, especialmente para as polícias estaduais, produzir números. A eficiência das nossas polícias tem sido relacionada à quantidade de drogas apreendidas e de pessoas presas. Dá a impressão de que a polícia está trabalhando bem, mas as drogas vão continuar circulando, as pessoas vão continuar consumindo”, disse à Gazeta do Povo Rafael Custódio, da ONG Conectas Direitos Humanos.
Falta de estrutura
Pelo fato de a maioria dos presídios que recebem mulheres no Brasil serem mistos – são 244 unidades com essa característica contra 144 exclusivamente femininas -, muitas vezes faltam espaços para atender às especificidades das mulheres. Apenas 55 unidades declararam ter cela ou dormitório específico para gestantes. Somente 14% dos presídios têm berçário ou centro de referência materno-infantil, enquanto 3% contam com creche, para crianças com mais de 2 anos. No último mês de abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que havia 514 presas gestantes ou lactantes no Brasil.
Importante lembrar que em fevereiro a Segunda Turma do STF concedeu prisão domiciliar às presas grávidas ou mães de crianças com até 12 anos que se encontravam em prisão preventiva. As condenadas, no entanto, ainda sofrem o drama da prisão combinada com a maternidade.
Fonte: Agência CNJ