Sucateamento das polícias afeta dados de homicídios em que apenas 10% são investigados no Brasil

Especialistas acrescentam que maquiagem de estatísticas sobre assassinatos também podem indicar subnotificação dos crimes. Investigação falha também favorece outros crimes que elevam a impunidade no país e estimulam o aumento da violência.

O crescimento de 35% das mortes violentas sem motivo definido no Brasil, conforme apontou o Atlas da Violência 2021, divulgado na terça-feira (31), é apontado por especialistas em segurança pública como um escândalo em face do sucateamento do trabalho de investigação policial, além de conter suspeitas de manipulação dos dados por parte de órgãos de governo estaduais e federais.

O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Rafael Alcadipani, classificou o esclarecimento de homicídios no Brasil como um problema grave e cobrou a criação de um indicador nacional dos dados. “O indicador é feito pelo [Instituto] Sou da Paz e não pega todo o país, vários estados não dão informação”, explicou.

Rafael Alcadipani classificou como um “escândalo” tantas mortes sem motivo definido e criticou o sucateamento da Polícia Civil no país. O professor avaliou que o Brasil precisa investir em polícia de investigação para que haja tecnologia, pessoal preparado e equipamentos que possam esclarecer as mortes ocorridas no país.

“A polícia de investigação [Polícia Civil] foi sucateada, destruída ao longo desses tempos. A gente tem uma capacidade muito ruim de investigação, discute pouco esse assunto e sucateia muito a polícia. No meu ponto de vista, é um escândalo a gente ter uma situação como esta, onde mortes não são colocadas. Precisamos colocar a investigação de homicídios como a prioridade número um da segurança pública no Brasil”, frisou o professor.

De acordo com o Atlas 2021, elaborada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o IJSN (Instituto Jones dos Santos Neves, o número pode refletir em uma subnotificação dos 45.503 homicídios registrados no país nesse período. Entre os anos de 2009 e 2019, foram contabilizadas 623.439 vítimas de homicídio no Brasil — do total, 333.330 eram adolescentes e jovens, o que equivale a 53% dos casos.

Maquiagem e subnotificação de casos

Um delegado de polícia — que preferiu permanecer no anonimato — lembrou que outro fato importante em relação ao tema foi a mudança do termo “morte a esclarecer” para “morte suspeita” nos registros da Polícia Civil, ocorrida em razão de suspeitas de maquiagem das estatísticas de homicídios no estado de São Paulo.

“Mudou para deixar patente que o B.O. [Boletim de Ocorrência] deveria gerar um IP [Inquérito Policial), pois a morte suspeita demanda uma investigação. A morte a esclarecer, muitas vezes, era relegada no seu grau de importância”, explicou.

O policial também citou como aspecto relevante o aumento do número de B.O’s (Boletins de Ocorrência) de desaparecimento, mas com suspeitas de homicídio, para casos de ocultação do cadáver. “Basta lembrar que, de tempos em tempos, um cemitério clandestino é localizado, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo”, apontou o delegado de polícia.

O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC-SP e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, também acredita que pode haver muito mais casos de homicídio no país do que os números divulgados pelos governos.

“Existe uma subnotificação. Já que em muitos casos não se sabe, nem qual foi a causa da morte. Se nem isso é identificado, muito menos existe esforço para que sejam esclarecidos os homicídios, já que só 10 % dos assassinatos são investigados no Brasil”, acrescentou.

Fonte: R7

 

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