Sínodo da Família é a esperança de uma abertura

 fatyO sínodo é decorrente de uma preocupação do Papa Francisco com o Povo de Deus

 Maria Clara Lucchetti Bingemer

A primeira fase do Sínodo da família iniciou-se em Roma ao mesmo tempo em que o Brasil fervilhava com o primeiro turno das eleições.  O clima tenso e agressivo não permitia pensar em nada mais.  Agora, uma vez apuradas as urnas e enquanto se respira para começar a peleja do segundo turno – que promete ser pior do que o primeiro – há tempo para voltar os olhos para o Vaticano, onde se realiza tão importante reunião.

A família é há muito tempo uma pedra no sapato da Igreja. Embora seja a célula mater da evangelização, a pastoral familiar encontra-se há anos, sobretudo, eu diria, desde os anos 60, lutando com obstáculos e impedimentos que dificultam à Igreja um diálogo franco e aberto com os fiéis sobre as questões da vida familiar.

Entre as mais polemicas está certamente a da volta à vida sacramental dos casais em segunda união.  A norma da indissolubilidade do matrimônio tira do horizonte dos fiéis a possibilidade de um novo casamento se o primeiro fracassa.  E o fato é que desde que a libertação sexual explodiu como uma bomba atômica nos anos 1960, muitos casais católicos optaram por separar-se de seus cônjuges e ingressar em uma segunda união.  Mais: muitas vezes esta segunda união tem muito mais evidentes características do que deveria ser um matrimônio cristão que a primeira: amor, desprendimento, desvelo pelo outro, etc.

Mais evidente ainda fica essa questão se se considerarem as realidades cruéis e desumanas que tantas vezes a relação conjugal fracassada traz para a vida das pessoas e sobretudo dos filhos, se os há. No entanto, a moral católica tem sempre afirmado, insistentemente, a excomunhão dos recasados,  proibidos de participar efetivamente do sacramento da Eucaristia.  Essa atitude um tanto inflexível – que como tal tem sido denunciada inclusive por autoridades da estatura do Cardeal alemão Walter Kasper – leva o novo casal a ver-se declarado em pecado e, pior do que isso, sem perdão.  Ou seja, em uma situação pior do que um assassinato, já que neste caso, se o assassino se arrepende, é perdoado e pode aproximar-se novamente da comunhão eucarística.

No Brasil, a situação do matrimônio é bem grave.  O Censo do IBGE de 2010 mostra que as uniões consensuais – ou seja, não sacramentais nem legais civilmente – são da ordem de 36,4%, ou seja, mais de 1/3 do universo de casais.  E todos esses casais – de acordo com as respostas – desejam participar da Eucaristia, receber a absolvição e a comunhão.

Não admira que a expectativa em relação ao Sínodo e suas conclusões seja enorme.  Está em questão uma nova maneira de conceber a pastoral familiar, o trato e a relação da Igreja com as famílias católicas.  Mas, pode-se esperar que seja efetivada alguma mudança real quanto a este ponto?  Uma tradição tão arraigada na vida eclesial pode realmente mudar?

Pessoalmente, creio que há razão para ter esperanças.  O Papa Francisco, ao abrir o Sínodo, deixou claro o que esperava dos seus membros: sinceridade para falar, respeito, humildade para escutar.  E uma atitude pastoral que seja realmente dedicada e misericordiosa para com os fiéis.

Um grande bispo teólogo, Monsenhor Bruno Forte, afirmou, em entrevista, que os aspectos doutrinais não podem ser minimizados, mas que a doutrina não tem valor abstrato em si mesma nem pode ser uma arma pesada.  Pelo contrário, pode e deve ser sempre uma mensagem de salvação.  Pois seu centro é o amor de Deus, a misericórdia.  Isso é a fé da Igreja e esta, sim, é imutável.  Uma fé que deve expressar-se olhando a realidade das pessoas concretas, reais, não como juízo inclemente, mas como amor e misericórdia em ato.

Tomara que o sentir de Monsenhor Bruno Forte seja certeiro e corresponda realmente às conclusões e resultados deste Sínodo, que apenas começa e ainda tem outra etapa para o ano que vem.  Certamente será de extrema importância para que os casais em segunda união e as famílias que formaram se sintam acolhidas, acompanhadas e bem-vindas, e não rejeitadas e marginalizadas como se fossem criminosas.

Para que isso aconteça, confiemos no Espírito Santo, que nunca abandona a Igreja e está certamente presidindo os trabalhos deste sínodo.  Amém.

Jornal do Brasil

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