Justiça concede liminar à Vale e quilombolas resistem. É iminente um conflito com a Policia Militar

tremAs comunidades quilombolas do Maranhão, continuam sendo vítimas dos desrespeitos aos seus direitos, principalmente quando se trata da garantia de desapropriações de áreas e regularização fundiária.  Outra questão série e grave reside na invasão dos seus territórios pela ferrovia da Vale, destruindo em muito as identidades culturais e se nega a fazer as devidas reparações mediante investimentos irrisórios, criando inúmeras dificuldades. Os quilombolas decidiram se organizar e estão empenhados em garantir conquistas. Apesar da Justiça garantir reintegração de posse  à Vale, quanto a desobstrução do leito ferroviário, lideranças de dezenas de comunidades quilombolas decidiram reagir e se mantêm no local e estão dispostos a tudo. O clima no local é tenso, diante da decisão judicial em autorizar força policial para garantir o cumprimento do mandado e o favorecimento da Vale.

D E C I S Ã O Trata-se de ação de reintegração de posse com pedido de liminar proposta por VALE S/A contra ANA CLETA PIRES DA SILVA, ELIAS PIRES BELFOR, BENEDITO PIRES BELFOR, PATRÍCIO SAMPAIO, MARIA DAS DORES DOS SANTOS FONSECA, RAIMUNDO NONATO DOS SANTOS FONSECA e outros. Aduz a Requerente que os réus, moradores das comunidades Santa Rosa dos Pretos, Serra e Mata, liderados pela Sra. REGINA QUILOMBOLA, interditaram, na data de 23/09/2014, a Estrada de Ferro Carajás, no Km 81 + 400, no Povoado Santa Helena, neste Município, o que vem inviabilizando a continuidade dos serviços prestados pela Vale S/A e impedindo a locomoção dos trens. Assinala a autora que a invasão da ferrovia afeta todo o fluxo contínuo de transporte de cargas, causando-lhe transtornos quanto ao cumprimento de seus compromissos comerciais. Incube mencionar que a exploração da estrada de ferro Carajás foi concedida à empresa Autora pela União, e que o bloqueio ali realizado impossibilita o tráfego de pessoas e transportes, bem como a execução de atividades regulares de manutenção da ferrovia pela Requerente, além de inviabilizar o atendimento de emergência de eventual acidente ocorrido no leito da EFC. Decido. Inicialmente, há de ser corrigido, de ofício, o valor da causa, o qual fixo em R$50.000,00 (cinquenta mil reais), vez que o valor atribuído pela autora não guarda proporção com o conteúdo econômico da demanda. Quanto ao mérito, sabe-se que o direito de manifestação está inscrito no rol dos direitos fundamentais de nossa Constituição, a qual, em seu art. 5º, XVI, dispõe que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Por outro lado, tem-se que o direito de manifestação, ainda que se caracterize como direito fundamental, não é absoluto, sobretudo quando entra em conflito com outros direitos de igual valor, tais como o direito de ir e vir, o direito de propriedade, etc. Sem entrar no mérito da procedência das reivindicações feitas pelos réus, o fato é que, mesmo que estas sejam justas, não podem os Requeridos, a fim de verem acolhidas suas pretensões, ferirem o direito de exercício de atividade econômica da autora, bem como o direito de trânsito de toda uma coletividade. Tem-se, assim, que o comportamento dos réus, eivado de excessos, deixa de se caracterizar como exercício regular de direito e passa a caso de flagrante abuso de direito. A permanência do bloqueio em questão certamente causará sérios prejuízos à empresa Requerente, a qual se verá impedida de exercer sua atividade empresarial, atividade esta, frise-se, de grande relevância para a economia nacional. Cumpre mencionar que a Estrada de Ferro Carajás realiza o transporte de combustível do Porto de Itaqui até as cidades do sul do Maranhão e do Pará, e a sua paralisação pode causar, por consequência, prejuízos enormes à economia, ante o desabastecimento de combustíveis nessas regiões. A continuidade da interdição da EFC gerará danos de difícil reparação à Requerida, a qual, certamente, sofrerá prejuízos financeiros, os quais, tendo em vista e relevância da mesma no cenário nacional, terão reflexos negativos em outros setores da economia. Incumbe mencionar que os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil se fazem presentes no caso, tendo o autor comprovado o esbulho mediante a juntada de fotografias e boletim de ocorrência, motivo pelo qual incide, aqui, o art. 928 do mesmo Código. Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada, condicionando seu cumprimento ao recolhimento das custas processuais no prazo de 24 horas, para determinar a imediata reintegração de posse do trecho ferroviário (km 81 + 400), neste município, sob pena de multa diária no valor de R$10.000 (dez mil reais), a ser suportada solidariamente pelos réus e demais identificados na pratica do esbulho, bem como restar configurado o crime de desobediência. Serve esta decisão como MANDADO DE REINTEGRAÇÃO. Requisite-se reforço policial ao Comando da Polícia Militar e à Superintendência da Polícia Civil do Estado do Maranhão. Cite-se a parte ré, nos termos do art. 172, §1º, do CPC, para, querendo, contestar os termos da petição inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, sob as penas dos arts. 285 e 319 do CPC. Concedo à autora o prazo de 15 dias para a juntada da procuração, nos termos do art. 37 do CPC. Dê-se ciência à parte autora. Itapecuru-Mirim, 25 de setembro de 2014. EDEULY MAIA SILVA Juíza de Direito respondendo Resp: 176966

CPT, FETAEMA e Justiça nos Trilhos estão acompanhando mais de perto a situação, porém, os ocupantes precisam de ampla repercussão do caso, inclusive junto ablogueiros e radialistas da região de Vale do Itapecuru. Neste momento há mais de 200 pessoas no local da ocupação e outras mais de regiões vizinhas se mobilizam para apoiar a luta.

Ontem e hoje entidades confessionais estiveram no local prestando apoio e solidariedade aos quilombolas pela autonomia de seus territórios. A presença de pesquisadores, de entidades de direitos humanos, de demais associações de luta de povos e comunidades tradicionais  e outras autoridades no local é muito importante, sobretudo neste momento em que o governo federal condiciona a abertura das negociações à desobstrução dos trilhos.

As comunidades já anunciaram que não cumprirão a liminar de reintegração. Afirmam que ilegal é a Vale que subtraiu parte dos territórios sem consentimento de seus verdadeiros donos. A empresa aumentou a presença de observadores no local, fixando veículos a uma distância de 50 m para cada lado dos trilhos.

Apesar da tensão,  o que transborda é pujança. Há um contagiante aquilombamento, com grande número de pessoas sob os trilhos, e  outros agrupados dentro da mata contando as histórias de seus pais, avós, de constituição das comunidades, trançando cofos, alimentando a fogueira. Esta sempre acesa para aquecer a luta e os tambores, que ecoam a todo momento resistindo à intransigência e ao racismo institucionalizado.

Há lideranças mais experientes, mas chama a atenção a grande quantidade de jovens com muita disposição para a luta. A líder quilombola Anacleta, do quilombo de Santa Rosa dos Pretos, está sob os trilhos e iniciou greve de fome. Só sairá da greve e dos trilhos após chegada de comissão interministerial para negociação da pauta referente ao andamento dos processos de titulação.

Pedimos a todos divulgarem em suas listas.

Renata Cordeiro

Justiça nos Trilhos

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