Fortaleza vive ‘boom’ de turismo sexual

Fortaleza vive ‘boom’ de turismo sexual, apesar do fechamento de boates e políticas públicas contra a prática.

A reportagem é de Morris Kachani e publicada pelo jornal Folha de S.Paulo

Madrugada de terça-feira, entorno da Arena Castelão. A apenas 300 metros da entrada para convidados da Fifa, a travesti Chiara, 20, veste um collant preto e um crucifixo. “Faço programa desde os 12. É muito ruim no começo, mas depois você acostuma. E ninguém passa fome”, conta.

Há quem cobre R$ 10 pela noite. Chiara pede R$ 50 – “mais barato que o ingresso para a Copa”, afirma, rindo–, e está satisfeita com o início do evento esportivo. “O movimento aumentou e eu amo os gringos. Quem sabe me caso com um deles e vou morar lá na Europa”, diz.

Apesar de as autoridades terem lançado um plano conjunto, com 700 pessoas envolvidas, plantão 24 horas e campanha publicitária, Fortaleza vive com o Mundial um “boom” do turismo sexual.

Os donos de boates comemoram o movimento –há quem diga, sem precedentes na capital cearense, um dos principais destinos internacionais de prostituição.

Há mais policiamento, com apoio de 3.000 homens do Exército. À tarde, na hora do jogo do Brasil contra o México, em plena FanFest, a garota de programa Yara, de Belém, só elogiava: “É bom porque a gente se sente mais segura para trabalhar”.

‘Mudar pra quê?’

A meia hora de distância, em uma confortável viagem de carro pelas pistas ampliadas da avenida que liga o estádio ao centro, está a praia de Iracema, ponto preferencial para programas de luxo.

Há famílias e crianças pelo calçadão. Mas, nos bares perto da estátua de Iracema, hordas de torcedores mexicanos ocupam os balcões e as pistas de dança — um cruzeiro com 4.000 deles, na maioria homens, aportou anteontem.

São esperados 350 mil turistas para a Copa, de acordo com a Secretaria de Turismo. “Eu amo as brasileiras, já me apaixonei umas cem vezes desde que cheguei”, afirma Ramón Ortega, 34, engenheiro aeronáutico, em meio a um grupo de amigos, alguns já meio bêbados.

Na esquina, Valeska, 19, uma morena de longos cabelos lisos, cobra R$ 200 pelo programa. “Que medo desses gringos! Mas nunca fui maltratada e, em uma noite, ganho o salário de uma balconista. Mudar pra quê?”, diz.

Na Copa do Mundo das garotas de programa, homens de países nórdicos e os holandeses aparecem entre os campeões de preferência.

Espanhóis e alemães empatam. Italianos ficam na repescagem. Latinos como os mexicanos ou uruguaios, que vieram assistir ao jogo contra Costa Rica na semana passada, são como os brasileiros.

Cidade mascarada

A exploração sexual de crianças e adolescentes pode ser vista por vários cantos. De acordo com Lídia Rodrigues, que coordena o colegiado de uma rede de ONGs, o número de menores de idade que oferecem seus corpos na região mais que dobrou nos últimos três anos, com a demanda dos operários do estádio. Eram cerca de cem, hoje não são menos de 250.

Um mês antes da Copa, oito boates tradicionais da cidade foram fechadas. O plano de convergência, que deve vigorar apenas durante o torneio, ainda conta com três centros de acolhimento para crianças e jovens.

“Muitos pais deixam as crianças para assistir aos jogos. Por isso, orientamos que as deixem conosco. Temos psicólogos e atividades lúdicas”, diz Tânia Gurgel, da Fundação da Criança e da Família Cidadã, da prefeitura.

Para Alice Oliveira, coordenadora interina da associação das prostitutas cearenses, a cidade foi “mascarada” para a realização do Mundial. “Com o aperto da fiscalização sobre hotéis e motoristas de táxi, muitos estrangeiros compraram casas e apartamentos. Os encontros pela internet estão bombando’.”

A socióloga Glória Diógenes, ex-secretária municipal de Direitos Humanos, afirma que nunca houve uma política pública de longo prazo para coibir a exploração sexual. “Fizeram uma assepsia social na área turística da cidade para não ficar a olho nu. Fortaleza é um lugar onde o abismo social só se acentuou com o crescimento econômico”, afirma a pesquisadora da UFC (federal do Ceará).

Fonte IHUSINOS

 

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