Com marchas e intervenções, movimentos convocam protestos para a abertura da Copa do Mundo

Zona leste, região que abriga Itaquerão, assistirá ao menos três manifestações, mas nenhuma pretende ultrapassar zona de exclusão da Fifa. Exército tem 1.700 homens a postos para auxiliar PM.

A reportagem é de Tadeu Breda

Ao menos duas manifestações públicas ganharão as ruas de São Paulo amanhã (12), dia em que a cidade sedia o jogo inaugural da Copa do Mundo. A partida entre Brasil e Croácia terá início às 17h na Arena Corinthians. Os protestos estão marcados para bem antes, às 10h, e ocorrerão na zona leste, mesma região onde fica o estádio conhecido como Itaquerão. Haverá ainda duas manifestações localizadas: uma no centro e outra a menos de quatro quilômetros da arena. No entanto, nenhuma promoverá passeatas.

A frente Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa realiza nesta quinta-feira seu décimo protesto em São Paulo. As mobilizações tiveram início em 25 de janeiro, dia do aniversário da cidade, e já sofreram intensa repressão policial. Na ocasião, o estoquista Fabrício Proteus Chaves, de 22 anos, foi alvejado por policiais militares com dois tiros à queima-roupa. Em outro protesto organizado pelo grupo, em 22 de fevereiro, a PM empregou uma tática conhecida como kettling, cercando os manifestantes e prendendo mais de 200 pessoas antes mesmo de que qualquer crime tivesse sido cometido.

“Todos nossos atos contaram com uma força repressiva do Estado muito grande”, lembra Rafael Padial, membro do Território Livre, um dos coletivos que compõem a frente. “Não esperamos nada diferente para essa nova manifestação.” Apesar da brutalidade, Padial reafirma a contrariedade do grupo com a realização da Copa no país. “O Brasil tem um milhão de prioridades anteriores ao torneio. A gente precisa resolver os problemas dos trabalhadores e da juventude antes de querer organizá-lo”, pontua, comentando sua decepção com o início dos jogos . “É um descalabro.”

O militante espera que entre três e cinco mil pessoas compareçam ao protesto de amanhã, número bastante superior aos manifestantes que atenderam às últimas convocações do coletivo. “Há menos gente em nossas marchas”, admite. “Elas deixaram de sair às ruas por causa da repressão. Pouca gente aguenta uma violência policial tão grande. E a presença ostensiva da PM em nossos protestos, desde o início, foi uma estratégia para esvaziá-los.”

Padial comemora, porém, a resistência dos que continuam protestando contra a Copa. Na convocatória, os organizadores prometem se concentrar na estação de metrô Carrão, na zona leste, e caminhar em direção à Arena Corinthians. Padial pondera, porém, que a intenção é marchar apenas até o bloqueio formado pela polícia, que delimita a área de exclusão – exigida pela Fifa – de pouco mais de um quilômetro em torno do estádio. “Não vamos ultrapassar o cordão policial”, atesta. “Gostaríamos de chegar até os portões do Itaquerão, seria legítimo, mas sabemos que o aparato repressivo é descomunal. Infelizmente, vamos nos manter dentro do que eles permitem.”

A manifestação convocada pela CSP-Conlutas tampouco tem a intenção de furar o bloqueio das autoridades. A central sindical se concentrará às 10h na sede do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, nas imediações da estação Tatuapé, na zona leste. O local escolhido para iniciar a marcha demonstra uma das razões principais da mobilização, que vai além das queixas relativas à organização da Copa do Mundo. “Iremos exigir a readmissão dos 42 trabalhadores que perderam seus empregos  devido à greve no Metrô”, afirma Atenágoras Lopes, membro da executiva nacional da CSP-Conlutas.

“Vamos criticar também os gastos de R$ 30 bilhões em dinheiro  público com a Copa, reivindicar melhores serviços de saúde, transporte, educação, moradia e reforma agrária”, continua o dirigente. “Mas não é um protesto contra a Copa: ser contra o futebol é ser contra um patrimônio cultural do povo brasileiro. Não queremos confronto – por isso marcamos nosso ato na parte da manhã, bem antes do jogo. Atitudes individuais de rebeldia acima do interesse coletivo não contribuem com nossos objetivos.”

Expectativas

Os Advogados Ativistas, que têm acompanhado – e defendido – manifestantes contrários à Copa desde o ano passado, e denunciado violações de direitos promovidas pela Polícia Militar, ainda não conseguem prever como as autoridades se comportarão amanhã. “Como será a primeira manifestação durante o torneio, é uma grande incógnita. Também ocorrerá num feriado, e num horário diferente das marchas anteriores”, explica Igor Leone, membro do grupo. “No entanto, estamos receosos quanto ao comportamento da PM na zona de exclusão. E também quanto ao emprego das tropas militares, que não têm experiência em lidar com protestos.”

Insistentemente procurado pela RBA, o capitão Sérgio Marques, chefe do comando especial da PM paulista criado para a Copa do Mundo, não respondeu às solicitações de entrevista. Mas o coronel do Exército Ricardo Carmona, membro da Coordenação de Defesa de Área de São Paulo, explicou à reportagem que os homens das Forças Armadas apenas atuarão na contenção de manifestantes após pedido expresso do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e autorização da presidenta Dilma Rousseff.

“Nesse caso, há um efetivo de 1.700 homens de prontidão para atuar em operações de garantia da lei e da ordem assim que forem acionados”, conta. “Mas não acreditamos que será necessário. Confiamos na capacidade dos órgãos de segurança pública paulistas em conter as manifestações. Os protestos não nos causam preocupação especial aqui em São Paulo.”

De acordo com o oficial, outros 2.300 homens das Forças Armadas auxiliarão na preservação das chamadas “estruturas críticas” para a realização do torneio: antenas de telecomunicações, redes de energia elétrica, abastecimento de água, portos e aeroportos. “Temos uma tropa que já está protegendo esses pontos, e tropas em condições de ocupá-los em caso de ameaça de interrupção dos serviços.” O coronel Carmona afirma que os militares não atuarão em caso de greve nos transportes públicos ou bloqueio de ruas – “a não ser das vias utilizadas pelos cerca de 20 chefes de Estado que virão para a abertura da competição”, pontua.

Em nota, a Defensoria Pública de São Paulo anunciou que acompanhará manifestações durante a Copa do Mundo, visando coibir abuso aos direitos da população. Entre os dias 12 de junho e 13 de julho, uma comissão estará disponível para receber denúncias de violações de direitos humanos relacionadas ao evento, com atenção especial para o respeito à população em situação de rua, aos trabalhadores e trabalhadoras informais e outros grupos vulneráveis.

Inclusão

Crítico da organização do torneio há três anos, o Comitê Popular da Copa de São Paulo não sairá às ruas amanhã. “Não temos intenção de inviabilizar os jogos ”, salienta Vanessa Ramos, membro do coletivo, que, em vez de sair em passeata, como no último 15 de maio, resolveu organizar uma Manifesta Junina na Favela do Moinho, no centro da capital. “Como a Fifa tem um espaço de exclusão, decidimos fazer um espaço de inclusão para chamar atenção às violações de direitos na cidade.”

“A Favela do Moinho é simbólica”, explica Vanessa. “Fica no centro de São Paulo, é alvo de especulação imobiliária e várias ameaças de despejo, e continua resistindo, até mesmo a incêndios.” A militante lembra que a gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD) construiu um muro em volta da comunidade, e que as promessas feitas por Fernando Haddad (PT), que visitou o local durante sua campanha, ainda não se materializaram. “É nossa Faixa de Gaza”, compara, “e mostra que há zonas de exclusão permanentes na cidade, sobretudo exclusão de direitos”.

O Comitê Popular da Copa é contrário à ideia de que o torneio começará amanhã. “Já começou faz tempo, desde quando o país foi escolhido para sediá-lo”, define Vanessa. “A eleição do Brasil pela Fifa foi uma mostra do tipo de desenvolvimento que está sendo implementado por aqui: um desenvolvimento excludente, em que muitos pagam a conta para poucos terem o privilégio de usufruí-lo.” Entre os reveses enfrentados pela população nos últimos anos, Vanessa aponta a morte de operários na construção e reforma de estádios, as remoções forçadas e as limitações ao trabalho de vendedores ambulantes, além do incremento nos aparatos de repressão.

“Houve muito mais retrocessos que avanços”, lamenta a militante, anunciando que a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop) deve divulgar um dossiê de violações logo após o torneio. Vanessa, no entanto, enxerga algumas vitórias populares. “Pese às ameaças de despejo, a Favela da Paz, que existe há mais de 20 anos e fica a 800 metros do Itaquerão, ainda está lá. A ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), localizada a menos de quatro quilômetros do estádio, também. E, pelas negociações recentes com o governo federal, deve permanecer, com a construção de moradias populares.”

O terreno localizado nas proximidades da arena também será palco de um protesto amanhã, quando seus ocupantes devem organizar uma Copa do Povo. “Já que a Fifa optou por excluir do seu grandioso evento a maior parte da população do país, o MTST resolveu organizar por conta própria um evento realmente popular”, anuncia o movimento em sua página no Facebook. Haverá jogos das “seleções” dos metroviários, garis, professores, estudantes e rodoviários, além de atividades culturais com críticas aos organizadores da Copa Jérôme Valcke (secretário-geral da Fifa), José Maria Marin (presidente da Confederação Brasileira de Futebol), Ronaldo Fenômeno e Joana Havelange.

IHUSINOS

                                                                    

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